Tomas Tranströmer - Nobel da Literatura 2011
O poeta sueco
Tomas Tranströmer é o Prémio Nobel da Literatura de 2011
Este poeta tem afinidadades com Portugal, bem
expressas em alguma da sua poesia. Publicamos aqui dois poemas, com tradução de
Luís Costa, que ilustram essa relação com o nosso país.
FUNCHAL
O
restaurante do peixe na praia, uma simples barraca,
construída
por náufragos.
Muitos,
chegados à porta, voltam para trás, mas não assim
as
rajadas de vento do mar.
Uma
sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa
dois
peixes, segundo uma antiga
receita
da Atlântida. Pequenas explosões de alho.
O
óleo flui nas rodelas do tomate. Cada dentada diz-nos que
o
oceano nos quer bem,
um
zunido das profundezas.
Ela
e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos
as
agrestes colinas floridas,
sem
qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais,
bem-vindos,
não envelhecemos. Mas já suportámos tantas
coisas
juntos, lembramo-nos disso, momentos em que
de
pouco ou nada servíamos (por exemplo, quando esperávamos
na
bicha para doarmos sangue ao saudável gigante –
ele
tinha prescrito uma transfusão).
Acontecimentos,
que nos poderiam ter separado, se não nos tivessem
unido,
e acontecimentos
que,
lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!
Eles
tornaram-se pedras. Pedras claras e escuras. Pedras de
um
mosaico desordenado.
E
agora mesmo acontece: os cacos voam todos na mesma direcção,
o
mosaico nasce.
Ele
espera por nós. Do cimo da parede, ilumina o quarto de hotel,
um
design, violento e doce,
talvez
um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo
quando
tiramos as roupas.
Ao
entardecer, saímos.
A
poderosa pata azul escura da meia ilha jaz expelida sobre o mar.
Embrenhamo-nos
na multidão, somos empurrados, amigavelmente,
suaves
controlos,
todos
falam, fervorosos, na língua estranha.
“
Um homem não é uma ilha “
Por
meio deles fortalecemo-nos, mas também por meio de
nós
mesmos. Por meio daquilo que
existe
em nós e que o outro não consegue ver. Aquela coisa
que
só se consegue encontrar
a
ela própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula
contra
a boa escuridão.
Uma
bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante
que
propaga o silêncio.
Um
atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce.
Um
livro que só no escuro se consegue ler.
Tomas Tranströmer
tradução de Luís Costa
*
LISBOA
No
bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas
subidas.
Havia
duas prisões. Uma delas era para os gatunos.
Eles
acenavam através das grades.
Eles
gritavam. Eles queriam ser fotografados!
"Mas
aqui", dizia o revisor e ria baixinho, maliciosamente,
"aqui
sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada
e
em cima, a uma janela, um homem,
com
um binóculo à frente dos olhos, espreitando
para
além do mar.
A
roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes.
As
moscas liam cartas microscópicas.
Seis
anos mais tarde, perguntei a uma dama de Lisboa:
Isto
é real, ou fui eu que sonhei?
Tomas Tranströmer
tradução de Luís Costa
Comentários